





“No curso, quando estava enfiando a linha na agulha, eu me entendi, eu me conheci. Aprendi que eu tenho que aprender mais sobre mim mesma. Não parece que é isso que a gente tem que aprender numa faculdade, num curso, né? Mas, na verdade, tem muito a ver. A gente tem que aprender sobre a gente…” Maria[1]
O trecho acima é parte da transcrição do conteúdo de uma das muitas entrevistas em grupo geradas no Projeto Mainumby Memórias, realizado pela Associação Comunitária Monte Azul em parceria com o Instituto Mahle, no ano de 2021. Maria foi uma das muitas alunas do Curso de Formação de Educadores Comunitários da instituição, objeto de estudo do projeto.
Com este projeto demos início a um “mapeamento afetivo”, ouvindo as pessoas que passaram pelos caminhos da Monte Azul e estavam, direta ou indiretamente, ligadas ao curso. Nossa intenção era de registrar o impacto do curso nas vidas dos educadores participantes e de seus alunos. Conversamos com colaboradores que trilharam (e ainda trilham) uma jornada profissional com a gente. Ouvimos também mães de ex-alunos, ex-alunos, ex-voluntários e fundadores desta “Caminhada Monte Azul”.
Durante as conversas, revisitamos memórias e construímos um túnel do tempo junto com várias pessoas de contextos, biografias e sonhos diferentes. Uma delas, a Lidiane, ex-aluna do Projeto Agente Jovem[2], projeto realizado no núcleo Horizonte Azul, um dos núcleos de atendimento da instituição. Lidiane era adolescente na época em que frequentou o projeto. Enquanto falávamos, ela lembrou da escuta amorosa dos educadores em relação a seus sonhos: “- A Monte Azul me edificou muito, me inspirou muito. Num contexto pequeno, contei minhas ideias mirabolantes que, talvez, não fossem para frente, mas alguém ouviu, sabe? Isso, para mim, é sobre amor.” ela conta. Também lembrou sobre os primeiros dias de aula e sobre as muitas coisas que ficaram com ela, mesmo depois da sua saída. “- Os versos, eu tenho decorados na minha cabeça até hoje. Usei durante a minha vida toda, hoje uso com meu esposo e com meus filhos.” completou.
A prática, o ritmo, o verso, desenvolvidos pelos educadores da instituição e que acompanham as turmas de crianças, jovens e adultos e perpassam as dinâmicas da sala de aula, tudo isto é apresentado em grande parte no Mainumby, Curso de Formação de Educadores Comunitários, oferecido pela Associação Comunitária Monte Azul. Ele possibilita que educadores e educadoras acessem um conteúdo prático e orgânico sobre os ensinamentos da Antroposofia, focado na educação social e com isto conseguimos criar um organismo institucional capaz de receber jovens e crianças de braços, olhos e corações abertos.
Para Lorena, aluna do curso e ex-educadora da Associação Comunitária Monte Azul, ter uma formação continuada como esta, que prepara a sua atuação em sala de aula para além de ferramentas pedagógicas, fez toda a diferença: “- Todas as vezes que eu entrava na sala para facilitar o programa Enfrentando o Futuro com Coragem[3], foi fantástico. Ver a modificação dos alunos do início ao fim do semestre, como isso reverberava nos jovens e em mim. Era transformador. A cada olhar que eu dava para eles, eu dava para mim também. Esse processo de transformação é possível.” ela conta. Assim como na sala de aula, Lorena sentiu diferenças na sua vida pessoal: “O Mainumby me ajudou como mãe. Porque meu filho não estudou numa escola Waldorf, mas tudo que aprendi, eu trouxe para minha casa, na educação do meu filho. Isso nos fez crescer numa relação muito bonita de afeto, de respeito. É um reflexo de tudo que aprendi no Mainumby.” completou.
Enquanto em 2021 tivemos a possibilidade de perceber a importância do curso na história de muitas pessoas, em 2022 e 2023, na continuidade do projeto, fizemos uma reedição do Curso Mainumby, incluindo características que foram apontadas nas entrevistas realizadas.
No final da primeira etapa do curso quisemos ouvir dos participantes o que eles tinham a dizer sobre o processo e obtivemos informações vindas dos integrantes deste novo momento da história do curso. Fizemos, então, um questionário para entender como ele impactou os alunos e o seu cotidiano profissional e com ele novas informações foram captadas.
Para Claudia, “- As palestras foram realizadas por pessoas com muita experiência na prática- Teoria viva.”, enquanto que para Marília as dinâmicas propostas nos encontros permitiam que os participantes “-… sentissem na pele toda a teoria”. Quanto às práticas colaborativas desenvolvidas no contexto do curso, elas foram apontadas como excelentes no processo de formação do educador social: “- Com este modelo, todos se engajaram e as tomadas de decisão aconteceram em grupo”, afirma, Paula. Para ela “- Este é um modelo interessante e democrático.”
Para Fernando, aprender a partir da troca de saberes, de forma horizontal, como o Mainumby propõe, permite que todas as pessoas acessem e validem suas experiências individuais e isto “É uma experiência que se leva para toda a vida” enquanto faz refletir: “-Se sentir no lugar das crianças, nos jogos simbólicos, faz repensar melhor nossas práticas”, disse Cristina. Unir teoria e prática vivenciada, também ressoou bastante para Everson, que nos relatou: “- As dinâmicas, ressignificam nossas práticas e, por conseguinte, dá um significado maior para aquilo que ensinamos e aprendemos no chão da escola pública.”
As informações coletadas dos alunos e a observação da equipe Mainumby apoiada pelo conselho de educação e cultura da Associação Comunitária Monte Azul preconizaram uma nova etapa para o projeto Mainumby: A Pós-Graduação em Educação Comunitária, a ser realizada em 2024 e 2025, em parceria com a Faculdade Rudolf Steiner e o Instituto Mahle.
Na pesquisa, os alunos demonstraram interesse em participar da nova proposta, conforme explica Fabiola: “- Eu adoraria participar da Pós graduação. O Mainumby foi uma porta que se abriu para tanta coisa linda que desejo aprofundar.” 2024, lá vamos nós, dando asas a uma realização na academia, gerando esperança/concretude para um mundo melhor.
“No Mainumby ficou claro que é possível construirmos pontes para que os menos favorecidos tenham acesso e contato com aquilo que lhes é de direito.” Anita.
Texto escrito por Isabel Rocha e Patricia Evangelisti.
[1] Todos os nomes incluídos neste texto são fictícios, em respeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
[2] Projeto de capacitação teórico-prática para jovens da comunidade, promovido pela Monte Azul, em parceria com órgãos públicos.
[3] Programa criado na África do Sul por David Liknaitzky para apoiar jovens na superação da opressão do apartheid e implantado na Monte Azul em 2007, com finalidade de alavancar a autorresponsabilidade e força de transformação do jovem atendido na instituição.