
Por Patrícia Evangelisti e Isabel Rocha
Quando chego no trabalho, o que avisto primeiro são mães, pais e alunos no portão da área do Centro Cultural da Associação Comunitária Monte Azul. A calçada é estreita e há uma pequena aglomeração alegre em contagem regressiva para despedidas e entrada. Quando o portão fecha atrás de mim, a segunda percepção que tenho é de um movimento de preparação, onde professores empoderados organizam ações e espaços. Componho, assim, um panorama simpático da tríade de convivência e suporte mútuo composta por pais, professores e alunos dos projetos educacionais Caminhando Juntos, Núcleo de Apoio à Inclusão de Pessoas com Deficiência (NAISPD), Nossa Ciranda e Raízes Culturais, mantidos pela instituição, naquele espaço.
A pergunta constante que me faço é relativa ao contentamento que paira no ar, à revelia de tantas dificuldades individuais e coletivas e das inúmeras imperfeições nos relacionamentos e no trabalho em geral: – O que, afinal, congrega este ambiente num local seguro e amado? Com certeza a resposta é multifacetada, um caleidoscópio de ações e condutas geradoras de saúde para a coletividade a qual se destina e com a qual venho tomando contato, enquanto realizo minha tarefa profissional.
Meu trabalho na Monte Azul é pesquisar sobre a história e a metodologia do curso de formação de educadores comunitários, o Mainumby, curso mantido pela instituição desde 1978, para qualificar os profissionais da área. Um dos objetivos deste trabalho é mapear, dar nome à essa atmosfera de trabalho e encontrar sua (possível) raiz, para divulgá-la. Durante a pesquisa, eu e meus parceiros de equipe fizemos muitas entrevistas individuais e coletivas para conhecer o processo de criação do curso e suas peculiaridades. É difícil expressar em palavras o impacto que causou em mim as falas das pessoas ouvidas e sua gratidão por terem participado deste caminho que foi feito por muitas mãos, enquanto o tempo passou e a instituição espalhou Pedagogia Waldorf e realizou os princípios da Antroposofia no trabalho social.
Durante os 44 anos de história da associação muitas gerações viveram o panorama das famílias, dos atendidos e dos educadores, buscando propostas educacionais eficientes para ultrapassar situações delicadas de vida e a excludência social. O curso Mainumby foi e ainda é a principal ferramenta da instituição para a formação dos educadores na busca de acolher e auxiliar as muitas dificuldades no cotidiano do educador. Enquanto a pesquisa acontecia, fizemos um trabalho de coleta de documentos e escuta dos participantes do Mainumby. Abaixo, encontram-se trechos de depoimentos e documentos referentes a diferentes momentos dessa história. Eles contam as percepções dos participantes sobre o Mainumby. Desfrutem!
“Eu me lembro que a gente observava bastante a natureza e a gente aprendeu também a fazer isso para poder fazer as rodas de época que foi uma coisa que eu achei super importante. Isso entrou de uma forma muito natural, não intelectual, então isso ficou mesmo para a vida e eu trouxe também para minha casa e para os meus filhos.” – (Relato selecionado em entrevista coletiva sobre a “Escolinha da Renate”, primeiro nome do Mainumby, no início da instituição).
“Passei a ver as crianças de uma maneira mais humana e realmente revi meus conceitos em relação às crianças problemáticas, mas com pé no chão e não julgando e condenando. Vendo ambas as partes, a da criança e a dos problemas.” (Relato de um participante do curso Mainumby realizado de 2001 até 2003).
“Tudo que trabalhamos neste semestre é essencial para podermos melhorar nosso trabalho. Aprendi que temos que trabalhar interiormente para podermos passar o melhor de nós.” (Relato de uma participante do curso Mainumby Aprofundamento, realizado em 2004).
“No processo de autoconhecimento, na observação de mim mesma, sem críticas ou valorização de atitudes; apenas através da observação silenciosa, da tomada de consciência sobre mim mesma percebo que o Eu que vive dentro do ser é autônomo ou deve procurar se tornar para que possa escrever sua própria biografia.” (Relato de um participante do curso Mainumby em seu trabalho de conclusão do curso realizado de 2005 até 2009).
“Foi um despertar. Despertar dos sentidos, das possibilidades, de ver que sou capaz de fazer um trabalho manual e principalmente um despertar da autoeducação constante.” (Relato de uma participante do curso Mainumby realizado de 2010 até 2012).
“A aula do Mainumby é toda terapêutica: pintando, modelando, plantando, cantando, aprendendo sobre tingimento natural, aprendendo brincadeiras de roda, desenhando com carvão, fazendo euritmia, dançando, visitando o aterro sanitário em recuperação, trabalhando em grupo, estudando sobre a biografia humana, aprendendo a acampar, etc. Aqui aprendo a fortalecer-me para conseguir ajudar os outros. Sou muito agradecida por poder participar do Mainumby.” (Relato de uma participante do curso Mainumby no Horizonte Azul, realizado a partir de 2011 até 2019 -interrompido em função da pandemia- e reiniciado em 2022).
“A gestão de talentos individuais foi considerada durante todo o processo pois foram acolhidas e integradas as capacidades de todos os atores do curso” (Relato de um participante do curso Mainumby itinerante na Bahia, realizado em 2016 e 2017).
“Eu fui, realmente, contemplada com um presente grandioso. Porque uma das coisas que eu valorizo, enquanto educadora, é a história de vida. A biografia humana, da forma que foi feito no curso do Mainumby, trouxe pra mim uma experiência única, foi uma autodescoberta do meu ser, foi uma possibilidade de reencontro comigo mesma.” (Relato de um participante do curso Mainumby Itinerante em Gravatá, realizado em 2020).
“Senti que todo o trajeto do curso foi construído coletivamente. As atividades refletiam o espírito do grupo.” – (Relato de um participante do Curso Mainumby, realizado em 2022 e 2023.
A última turma do curso Mainumby foi concluída em julho deste ano e mais uma vez foram fomentados em profissionais educadores comunitários, recursos para a saúde dos processos educacionais em instituições de terceiro setor, rede pública e particular de ensino. Em 2024 e 2025 o curso Mainumby acontecerá na modalidade Pós-Graduação, numa parceria com a Faculdade Rudolf Steiner, Instituto Mahle e Fundo Único de Bolsas (FUB), ampliando assim seu espaço de atuação social no país.
Oxalá, com este avanço, possam ser multiplicados em inúmeras instituições brasileiras e do mundo os sorrisos que a educação curativa proposta pela Monte Azul fez e faz surgir. Oxalá, muitos portões de entrada de instituições educacionais tenham aglomerações felizes a esperar os cuidados amorosos de educadores qualificados, como acontece na Monte Azul.
Foto: Arquivos do Projeto Mainumby – foto de participantes no retiro do curso Mainumby, em junho de 2023